quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Dona Josefa, minha companheira de pilates, tem 70 e tantos anos e diz que adora morar sozinha porque dança tango a tarde toda.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

A pior constatação que pude fazer nos últimos tempos, é que meu excesso de vontade de amar não conseguiu nunca evitar minha displicência em relação às pessoas importantes. Porém, essas eram até agora, da família e sempre pensei que bem ou mal, família tem um laço tão forte, que magoa mas passa por cima. E amizades talvez não. Estou agora recebendo pequenos tapas na cara, que mereço por certo, pela ausência e desafeto naturais que foram se impondo sobre a minha vida, e eu simplesmente não me movi para evitá-los. E houve brecha de tempo para resolver, eu que não fui, e não sei explicar porque.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Que angústia é o tempo passando naquele estreito da ampulheta, no mínimo da vida unhas cabelo marcas da pele traços dos minutos e a gente nem notando, só (re)lutando para que tudo caiba nele. Quanta estreiteza.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

saberia fazer alguns versos se me dessem frases prontas, e ai sim minha voz nao teria falhas, grafaria em vermelho suas respostas de entrelinha e as colocaria como a obra central da exposiçao do ano: só elas no meio do meu museu favorito.
Ali embaixo dele, corre um vento que entorta guarda-chuvas, mas por aqui nao chove muito e existe abrigo, se.

domingo, 14 de agosto de 2011

Na sequência de filmes que assisti nos últimos 5 dias: primeiro, fiquei angustiada (um terror muito silencioso, como me pareceu a definição de angústia naquele momento).
Não sei se foi a distância da tela ou a refeição daquela noite, mas tive uma vontade imensa de sair correndo e vomitar. A prova concreta do meu antigo medo do fim do mundo. No outro dia, tive um deleite com a beleza que respira em todos as partículas de vida. Não tive mais tanto medo do fim, porque o enquanto me deixou ocupada. Por último, o filme de ficção científica mais improvável dos (meus) últimos tempos.
Enfim, a difícil satisfação serena do limite da vida ou ao menos, uma triste conformação.
Acho que agora acredito mais no tempo que me foi dado, e menos no que temia.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Na véspera da viagem, recebi uma mensagem alegre dizendo que Elisa nasceu.
Bonito como o nome, é saber que existe um corpo novo que tem cada viga, cada curva, passos, vozes e infinitas escrituras de mundo para descobrir.
Infinito, começa o mundo para ela. E este vai perdendo sua substância conforme soma mais um dia, menos uma dose nova. Acreditar nas possíveis qualidades, será extenso.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Saber que somos espíritos e que reencarnamos em outras vidas, nunca me privou do medo da morte. Porque com ela, as relações são finitas, as memórias se apagam e eu volto a este plano sem nunca saber de tudo o que vivi. Meu medo é do esquecimento de tudo o que me habitou, de chegar a mais longa distância, esta, onde tudo se perde para ser outro.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Eu e a professora de Pilates temos uma coisa em comum:
colecionávamos recortes de revista e posters do Leonardo di Caprio quando mais novas.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Quando abri o jornal naquele dia, tive a impressão que esse poema seria como um desses filmes longos que com tanto espaço, vamos pra longe, voltamos e ele ainda acontece. Mas o poema me surpreendeu, e agora, desde o seu início, felicito-o.


O tempo que faz, Claude Roy (trad.Claudia Pessoa)

É infinitamente possível para não ousar dizer certo
(nossa única razão é a de não tê-la)
que essa manhã de inverno de onze de Abril de mil novecentos
e setenta e oito no calendário do papa Gregório XIII
(feito para recuperar os dez dias de atraso do tempo ocidental
acumulado pelo tempo solar desde o Imperador Juliano)
é infinitamente possível que a claridade de inverno desta manhã
o sol claro e frio de uma primavera gelada
a erva gélida coberta de geada e os tordos
a debicar pelo prado as últimas maçãs esquecidas
e a gata sinuosa com sua veste cinza malhada a caminhar
pelo muro com doçura e os gritos das crianças
a brincar pelo caminho e posto ao lado da xícara de café
o jornal de ontem à noite que discursa em duas colunas
sobre o próximo aumento do preço do petróleo
e o rastro a céu aberto de um invisível avião
que ergue na vertical uma enfiadura de longo fio branco
e o grande despertador de ferro a soar na cozinha
e todo o etcetera de uma manhã comum
- é infinitamente possível que tudo isso e você e eu
já acontecera acontece acontecerá de novo
acontecera acontecerá numa manhã quase igual
inverno quase idêntico quase tão frio a um grau de proximidade
num Abril muito parecido com o de agora
com a mesma geada e os mesmos cristais de gelo
o mesmo verde da erva com a diferença mínima
de alguma partículas apenas a mais ou a menos
com os mesmo tordos de ventres avantajados a debicar as mesmas maçãs
podres a mesma gata cinza e pouco importa
se as malhas não são exactamente sobreponíveis
ao gato de alguns milhões de anos atrás ou ao gato
de um futuro anterior análogo ao presente
já que podemos considerar praticamente negligenciável
que haja entre os tic-tac dos despertadores a soar
(os quase mesmos na repetição do tempo)
como nos batimentos cardíacos dos corações seus e meus
uma diferença de ritmo tão infinitesimal
que nenhum ouvido mesmo o de Deus se ele existisse
não perceberia
e da qual não se dá conta o cálculo sideral
que arredonda as cifras que nega as diferenças e abole
a ilusão de que cada um é único exclusivo primeiro
último
Mas se tudo isso e todo o etcetera do catálogo das coisas
existentes
se tudo que está aqui na mesma claridade pura
acontecera acontece acontecerá cada elemento
desta manhã de inverno sol erva geada pássaros
gato crianças jornal café avião despertador Loleh
e eu cada um porém tomado pelo sentimento
de que não há mais do que uma única manhã aqui dia fugaz
um único sol para nunca e nunca mais
seu repousar. Mas a gata e o tordo e o traço
branco no céu vivo rasgado pelo avião
e o despertador e o seu coração e o meu se
sentem irremediáveis os exclusivos os sem-iguais
perecíveis evasivos apagáveis de tal forma únicos
no mundo
que talvez já os tenha visto e os voltará a ver
talvez
Mesmo se nós acontecêramos e somos mesmo se outros
nos aconteceram
mesmo se imutáveis e incontáveis são os céus
os invernos e incontável o amor eu nomeio entretanto
aquilo que só acontece uma única vez que acontecerá sempre.